Carlos Monteiro, pesquisador brasileiro, fala à VEJA sobre impactos da alimentação na saúde e revolução nos estudos. Semente foi plantada com dados de 10 milhões de pessoas.
Se nos dias atuais vemos uma variedade de produtos ultraprocessados prontos para consumo em todas as prateleiras dos supermercados, é importante lembrar que o termo ultraprocessado se refere a alimentos que passaram por diversas etapas de transformação em fábricas. Com o intuito de manter os produtos com validade prolongada e sabor atraente, muitos ingredientes artificiais e aditivos químicos são adicionados, tornando a composição final nada saudável para o corpo humano.
Os alimentos ultraprocessados estão presentes no nosso cotidiano de forma intensa, colaborando para o aumento de doenças crônicas como obesidade, diabetes e hipertensão. O consumo desenfreado desses produtos industrializados pode levar a deficiências nutricionais e agravar problemas de saúde já existentes. Por isso, é fundamental estar atento aos rótulos dos alimentos e buscar por opções mais naturais e menos processadas.
Revolução nos Estudos sobre Alimentos Ultratransformados e Alimento Industrializado
Nos últimos 15 anos, desde que liderou o grupo que cunhou o termo ‘ultraprocessados’ para esses produtos, o pesquisador brasileiro promoveu uma revolução nos estudos sobre o tema, tornando-se uma referência internacional, e estabeleceu um olhar que coloca a comida do futuro não como a mais prática, mas como aquela mais parecida com o alimento em sua forma natural, que expressa tradições, culturas, utiliza produtos locais e que traz uma peculiaridade que difere o ser humano de outros animais: saber cozinhar.
Recém-titulado como professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), assinou recentemente editorial na renomada revista científica British Medical Journal (BMJ) sobre o estudo que avaliou dados de 10 milhões de pessoas e apontou ligação direta entre o consumo desse tipo de industrializado e o risco aumentado de 32 doenças, que vão de problemas cardiovasculares a câncer e transtornos mentais.
Pesquisador Brasileiro e a Semente Plantada para a Revolução nos Estudos
Não poderia ter sido mais direto: ‘Alimentos ultraprocessados prejudicam a saúde e encurtam a vida’.
Em entrevista exclusiva a VEJA, o pesquisador contou como se deu a transição de seus estudos sobre desnutrição para a investigação sobre obesidade, os dez anos do Guia Alimentar para a População Brasileira, a amizade com a apresentadora Rita Lobo e sua opinião sobre os novos tratamentos contra obesidade, como Wegovy e Mounjaro. Leia os principais trechos.
Relação Direta entre o Consumo de Alimentos Ultratransformados e Risco Aumentado de Doenças
A sua trajetória na pesquisa teve início com investigações sobre a desnutrição. Como ocorreu a transição para estudos sobre obesidade? Desde o começo, nos anos 1990, a linha de pesquisa principal do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) era o monitoramento das condições de nutrição e saúde da população brasileira.
Passamos a apoiar inquéritos nacionais do Ministério da Saúde e do IBGE para identificar o estado nutricional e, nos nossos projetos, a gente identificou a queda da desnutrição. Em 1996, por exemplo, tínhamos 22% das pessoas desnutridas no Nordeste. Em 2006, eram 10%.
Estudamos os fatores e houve aumento da escolaridade das meninas, que se refletiu na escolaridade das mães, redução da pobreza absoluta, melhora do saneamento. Nos anos 2000, começamos a ter o aumento da obesidade e monitorávamos a alimentação do brasileiro também pelo inquérito de compras. As pessoas estavam cada vez comprando menos óleo, açúcar, sal e menos arroz e feijão.
A gente começou a olhar a cesta de alimentos das pessoas e viu que tinha uma substituição pela categoria de produtos prontos para consumo: bebidas açucaradas, refrigerantes, sucos e refrescos, biscoitos, embutidos, macarrão instantâneo, lasanhas, pão de forma. Embora fossem produtos diferentes, eram usados para substituir leite, verduras e frutas. Era uma explicação para o aumento da obesidade.
O Impacto dos Alimentos Ultratransformados na Saúde e nas Doenças Crônicas
Como se deu o desenvolvimento da ideia de alimentos ultraprocessados? Criamos uma classificação nova para diferenciar do alimento processado, que é algo comum e que comemos há séculos, como pão e queijo. São coisas que, na realidade, compramos da indústria, mas podemos fazer em casa com farinha, água e fermento, no caso do pão.
O ultraprocessado precisa de ingredientes industriais, equipamentos e técnicas que não podem ser reproduzidos em casa. São produtos que não conseguimos identificar a origem, porque o alimento é tão processado que não tem relação com o alimento original.
Ande veio o nome ultraprocessado? Foi uma criação coletiva.
Quando publicamos a classificação pela primeira vez, em 2009, colegas de língua inglesa acharam a ideia interessante, mas disseram que precisávamos mudar o nome, porque ‘ultra’ era algo bom. As pessoas entendem que o processamento é sempre bom, porque se ganha quando ele é simples, o leite pode ser transformado em queijo. Mas, na nossa teoria, nem sempre o processamento é o melhor.
Talvez eu tenha ficado em dúvida quando as pessoas não gostaram, mas ultrapassou nossas expectativas. Se você buscar artigos científicos citando o termo, em 2009, havia o nosso. Agora, são 500 a 600 por ano em todo o mundo. Por que eles são tão ruins para a saúde?
Os ultraprocessados têm substâncias estranhas para o corpo, afetando o pâncreas, os rins, o microbioma, porque tudo que ingerimos percorre todo o organismo. No fundo, o alimento é algo que vai até a última das nossas células.
O consumo de ultraprocessados afeta todos os sistemas do nosso organismo e os estudos mostram que, invariavelmente, ele está associado não só à obesidade, mas a várias doenças crônicas, como diabetes tipo 2, derrames cerebrais e depressão. É difícil encontrar na história uma quantidade de estudos tão grande mostrando uma relação tão consistente.
Fonte: @ Veja Abril
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